Nas palavras de Vargas Llosa, é um velhinho estadista que fala com sinceridade insólita para um governante
Por Kiko Nogueira, em Diário do Centro do Mundo
No início da “Divina Comédia”, Dante encontra Virgílio, seu guia no
inferno, e lhe diz: “Mestre, para mim, são tão certos e me impõem tanta
confiança os teus arrazoados, que os demais me parecem carvões
apagados.”
Pepe Mujica, o presidente do Uruguai, erra muito pouco. Em sua última
entrevista, ao jornal “O Globo”, explicou como pretende lidar com as
visitas de turistas a seu país para fumar maconha (como se sabe, o
Uruguai legalizou o comércio da erva). Falou muito mais. E, como costuma
acontecer, transcende as questões comezinhas e dá a qualquer conversa
um tom filosófico. Nas palavras de Vargas Llosa, é um velhinho estadista
que fala com sinceridade insólita para um governante.
“Queremos tirar o mercado do narcotráfico, queremos tirar-lhes o
motivo econômico, queremos que o narcotráfico tenha um competidor forte e
não seja o monopolista do mercado. Ao mesmo tempo, tentamos incitar as
pessoas a atuarem do ponto de vista médico”, disse ele. “Mas temos que
ter muito cuidado, porque não é uma legalização como as pessoas supõem
no exterior, não vai ter um comércio, os estrangeiros não poderão vir
aqui ao Uruguai para comprar maconha. Não vai existir o turismo da
maconha. A decisão tomada não tem nada que ver com esse mundo boêmio. É
uma ferramenta de combate a um delito grave, o narcotráfico, é para
proteger a sociedade. É muito sério”.
Sobre seu exemplo como líder: “Pretende ser um mini-ato de protesto.
As repúblicas não vieram ao mundo para estabelecer novas cortes, as
repúblicas nasceram para dizer que todos somos iguais. E entre os iguais
estão os governantes. Têm uma responsabilidade implícita e penso que
devem viver de forma bastante similar à maneira de viver da maioria do
seu povo. Ninguém é mais que ninguém, começando pelo governante.”
Sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo: “O casamento
homossexual, por favor, é mais velho que o mundo. Tivemos Julio Cesar,
Alexandre, O Grande, por favor. Dizer que é moderno, por favor, é mais
antigo do que nós todos. É um dado de realidade objetiva, existe. Para
nós, não legalizar seria torturar as pessoas inutilmente”.
Sobre trabalho: “Temos que lutar para que todos trabalhem, mas
trabalhem menos, todos devemos ter tempo livre. Para quê? Para viver,
para fazer o que gostam. Isto é a liberdade. Agora, se temos de consumir
tanta coisa, não temos tempo por que precisamos ganhar dinheiro para
pagar todas essas coisas. Aí vamos até que pluff, apagamos.”
Sobre manifestações: “Eu simpatizo com os protestos, mas não levam a
lugar nenhum. Não construíram nada. Para construir, há de se criar uma
mente política, coletiva, de longo prazo, com ideias, disciplina, e com
método. E isso é antigo, ou parece antigo. Mas sem interesses coletivos,
é difícil mudar. Não são os grandes homens que mudam as sociedades,
mudam quando os protestos se organizam, disciplinam, têm métodos de
longo prazo. Estes movimentos de protesto têm a vantagem do novo, e
tentam alguma coisa nova porque desconfiam de todos os velhos,
especialmente os partidos, porque perderam a confiança neles. Mas as
primaveras têm se transformado em inverno porque não sabem onde ir.”
Sobre política: “Temos de revalorizar o papel da política. Mas no
mundo real, muita gente se mete na política por que gosta de dinheiro,
estes devem ser expulsos porque prostituem a política. A política tem de
ser feita com carinho, a política tem a ver com a harmonia das
contradições que há na sociedade, tem de lutar para harmonizar este
mundo frágil e cheio de contradições que estamos vivendo.”
Sobre seu reconhecimento: “Não é que me achem tão excepcional, me
usam como uma maneira de criticar os outros. A última vez que estive na
ONU escutei discursos de um presidente de um país europeu [Hollande, da
França] pelo qual temos um respeito enorme pela cultura, por suas
tradições, pelo que significou no mundo. Fiquei assustado, porque
parecia um discurso neo-colonialista. Eu não sou nada, sou um camponês
com senso comum. Sem dúvida, estou vivendo uma peripécia. Talvez, se não
tivesse passado tantos anos presos com tempo para pensar, fosse
diferente.”
Sobre o Brasil e a América Latina: “Brasil vai fazer um campeonato do
mundo lindo. Brasil deve apreciar o melhor que tem, não é a Amazônia
nem o petróleo, é o experimento social de ser o país mais mestiço do
mundo. E tem uma grande alegria de viver, mesmo com as dificuldades e
isso deve à África. Por isso, a luta é que brasileiros sejam mais
latino-americanos.”
A admiração de Llosa é genuína, mas há algo de condescendente em sua
consideração. Mujica é também mais que um camponês com senso comum. É
alguém em quem sempre vale a pena prestar atenção. Um mestre. Como disse
Dante: “Com aquela medida que o homem usa para medir a si mesmo, mede
as suas coisas”.
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